terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Tem cartão de desconto?


Comecei a ver há pouco tempo a série de tv Glee, cuja história se centra num grupo de jovens talentos de aparência, digamos que, pouco convencional. Adoro! Acho importantíssima a mensagem que esta série transmite. Abaixo a ditadura dos meninos populares com a cara perfeita, a altura perfeita, o corpo prefeito e as roupas perfeitas! Viva a heterogeneidade! Viva acima de tudo o respeito pela diferença! Revejo-me em muitos aspectos nesta série. Também eu fiz parte de uma minoria durante o meu percurso escolar.
Como descrever a minha passagem pelo Ensino Preparatório e Secundário? Hum... Digamos que o Raul daqueles tempos era um menino que vivia sob a constante pressão de esconder quem era. Amedrontado que os outros notassem que era diferente. Passar despercebido era o objectivo, sobretudo quando se tratava de enfrentar os rufias, que actualmente lhe deram um novo nome, mais fashion, bully. Fui durante muitos anos atormentado por estes "espécimes", que na altura reinavam no recinto escolar. Exerciam o seu poder de submissão entre os demais. Que pena na altura não saber o que sei hoje.
O facto mais curioso é que, não querendo ser presunçoso, mas já sendo, hoje encontram-se na sua grande maioria por detrás de um balcão e, em vez de me chamarem paneleiro, ou maricas, terem de me perguntam muito cordialmente (ainda que forçado): vai desejar saco? Ou: tem cartão de desconto? (Não quero com esta frase menosprezar quem trabalha nestes locais, mas simplesmente dá-me graça ver esses seres, outrora os "reis da festa", a terem de me servir, ainda que de sorriso amarelo). A vida dá muitas voltas.
Sofri muito na altura com as constantes perseguições destes "senhores". Desde a escola primária em que num belo fim de tarde, se juntaram os meus colegas, cercaram-me, agarraram-me e encheram-me a t-shirt com excrementos de burro, sim porque é engraçadíssimo fazer isso a um colega indefeso. Nunca irei esquecer as caras, os risos, o cheiro que ficou entranhado na minha roupa. Este é um facto bastante curioso, funcionam sempre em grupo, como se só em conjunto conseguissem ser "os maiores", afirmando-se superiores entre os demais e abusando daqueles que, como eu, eram e são indefesos. Quando estão sós andam o mais low profile que conseguem.
Quantas e quantas vezes preferia ter ficado na cama a ir para escola e enfrentar tais humilhações? Perdi-lhes a conta. Tinha vergonha de contar o que lá se passava, tal era a vergonha. E depois não querem que apresente uma postura arrogante face a estas criaturas que sempre fizeram de tudo para se rir às minhas custas. Quem ri agora sou eu!
Ainda os meus pais acham muito estranho que não me relacione com os meus "amigos"daqui. Bah, sempre fizeram de mim o alvo da chacota e me chamaram de tudo o que havia para chamar, e eu vou dignar-me a atribuir importância a essas pessoas? Jamais!
Creio que nunca falei neste assunto a ninguém e por isso corro o risco de este post ter um conteúdo demasiado agressivo, mas senti a necessidade de tirar este "esqueleto" do armário. Aos poucos vou fazendo uma limpeza. Por vezes temos de ter estes desabafos.
É uma pena que só agora se comece a falar de bullying, quando este já existe há anos nas escolas. Quantos miúdos já foram e são vítimas deste tipo de terrorismo? Sim terrorismo. Esta é uma situação muito grave e que merece toda a atenção por parte dos educadores. Eu tive sorte de estar rodeado de pessoas que me amam e de ter uma boa estrutura familiar na qual me apoiei, ainda que não fizessem ideia do que se passava. Também não posso deixar de referir o apoio incondicional das minhas amigas, sim amigas, pelos motivos acima apresentados nunca fui capaz de fazer amizades com rapazes. Felizmente isso está a mudar. A minha postura hoje é outra, estabeleço limites que não permito que sejam ultrapassados.
Por isso deixo esta mensagem a todos os Bullys que por aí andam, não pensem que ao maltratar os outros serão alguém na vida, quanto muito irão estar sentados atrás de um balcão a perguntar: tem cartão de desconto?

1 comentário:

debbie clementine disse...

adoro glee e adoro a mensagem que transmite, haja alguém que não ache a série tola!

o assunto não poderia ser mais pertinente, e a palavra terrorismo adequa-se perfeitamente à situação. só quem foi vítima é que percebe.

sabes que mais, o que não nos mata torna-nos mais fortes.